Montagem e Bricolagem (2012)
Para
entendermos a montagem e a bricolagem na arte, faremos uma comparação entre as
duas atividades com base na obra de dois artistas: Dziga Vertov (1896-1954), um
cineasta e Robert Rauschenberg (1925-2008), um artista plástico. A produção
destes dois artistas nada tem a ver entre si, mas serve ao nosso objetivo de
compreender a montagem e a bricolagem.
Dziga Vertov foi um dos principais diretores do cinema
russo. Aqui, sua obra, Um homem com uma
câmera (1929), será utilizada como o exemplo máximo da arte como montagem,
não só porque o cinema é a própria montagem (montagem das cenas, dos cenários,
do som, da fala, sincronia do som e da imagem e etc.), mas também, porque seu
filme discute a própria linguagem cinematográfica. Não sei se podemos chamar Um homem com uma câmera de experimental,
como o é O sangue de um poeta (1931)
do francês Jean Cocteau, pois o primeiro deseja mostrar a Moscou
industrializada e o cotidiano humano na “moderna” cidade, enquanto o outro
revela os devaneios do poeta, utilizando-se de “truques de filmagem”. No entanto,
Um homem com uma câmera também faz
uso desses “truques” e mostra como o próprio filme é feito.
Robert Rauschenberg foi
um artista plástico norte-americano ligado a movimentos de vanguarda como o
Dadá e a Pop art. Qualquer objeto produzido por este artista serviria como
exemplo da técnica da bricolagem, contudo, nós utilizaremos alguns de seus
painéis para exemplificar essa técnica.
Então...
o que é montagem e bricolagem na arte? Qual a diferença entre estas duas
práticas?
Pois
bem, pensemos no filme de Dziga Vertov, Um
homem com uma câmera. A ideia do filme é a de mostrar a grandiosidade da
cidade de Moscou, agora industrializada, “moderna” e comunista. Para tanto, o
filme começa – depois que a personagem pega sua câmera e sai a percorrer - com
o amanhecer da cidade, os habitantes acordando e se arrumando para ir
trabalhar; os veículos, o trem, as avenidas repletas de gente. Depois vêm as
fábricas, as máquinas, os movimentos repetitivos e a produção em massa. Em
seguida, após um dia de trabalho, são mostrados os trabalhadores bebendo e se
divertindo nos bares, o cotidiano, enfim, de uma grande cidade “moderna”.
Algumas cenas de esportes são apresentadas em seguida.
Porém, tudo isso só é possível graças à montagem. É a
montagem das várias cenas, quadros (frames) que dá essa ideia de uma cidade em
movimento, de uma cidade viva. Um filme é composto por diversos fragmentos
separados que são depois editados: cortados, colados, sobrepostos e, por fim,
colocados em certa ordem – no próprio filme,
Dziga Vertov mostra uma
cena com a edição do mesmo, a tesoura vai cortando os negativos e a
justaposição das imagens dá a ideia do movimento.
Aí
está o princípio da montagem: primeiro teve-se uma ideia, a de produzir um
filme sobre Moscou e seus avanços, depois veio o processo de construção, da
montagem do mesmo, tudo manual, tudo pensado e montado pelo artista, até se
chegar ao objeto final, pronto, o filme que assistimos.
Visto
isso, fica fácil entendermos a bricolagem, que é o oposto de tudo isso. Na
bricolagem não há mais o artista como criador, o artista genial que tem uma
ideia e a desenvolve. Não, a arte na bricolagem consiste na apropriação de
objetos do cotidiano, sejam estes quais forem.
Como
apropriação devemos entender o deslocamento, a descontextualização do objeto,
descontextualização esta que dá um novo significado (um novo contexto!) ao
objeto, que produz um novo objeto, o objeto artístico. Porém, como vimos, nesse
processo não existe criação, e sim a reutilização de um objeto já existente. É
o redemade de Marcel Duchamp, que
pega objetos do cotidiano e os reutiliza.
Vejamos
a seguir algumas obras, painéis de silk-screen, de Robert Rauschenberg que
exemplificam o método da bricolagem.
Na imagem 1, vemos um painel repleto de imagens do
cotidiano norte-americano da década de 1960. Vemos uma imagem, lado direito do
painel, do presidente Kennedy, cujo gesto da mão expressando talvez “you”
(você) se repete do lado esquerdo do painel; na parte superior, podemos ver
algumas pinturas, a propaganda de uma cafeteria, outra de Coca-Cola, uma imagem
de águia (símbolo dos EUA) e outra de uma chave logo abaixo; na parte inferior,
vemos mais algumas pinturas azuis, talvez representando o céu, uma forma
geométrica, um helicóptero e um paraquedas, daqueles que seguram o módulo do
foguete quando este regressa. Pois bem, são todas imagens retiradas de seu
contexto original e, misturadas com algumas pinturas, que formam a obra Retroativo I de Rauschenberg.
Podemos
agora nos perguntar, qual foi a criação deste artista? A resposta seria
nenhuma, nada foi criado com esse painel... Mas, outra vez nos perguntamos,
então por que é considerado uma obra de arte?
Essa
produção é considerada obra de arte porque é um objeto, mesmo que não original,
que representa o seu tempo, ou seja, está repleto do imaginário da época,
reflete e critica o seu tempo. E esse era o objetivo do artista quando o fez:
refletir sobre o seu tempo presente e não criar algo para ser somente apreciado.
A imagem 2 expressa isso de forma ainda mais
clara, pois apresenta questões que estavam em pauta na época (tanto boas como
ruins), como, por exemplo, os soldados, que remetem aos problemas da guerra do
Vietnã; o assassinato, a violência, o racismo (Assassinato de Kennedy e Martin
Luther King); os astronautas, que remetem à corrida espacial; Janis Joplin, a
explosão da juventude, a cultura popular americana. O próprio nome da obra, que
é Signos, já expressa o seu conteúdo:
São os signos, símbolos da sociedade norte-americana contemporânea.
Depois desses
exemplos ficou fácil entender a diferença entre a montagem, criação e a bricolagem,
apropriação na arte. Contudo, ambas têm a sua importância e valor, cabe a nós entender
o objetivo de cada obra, ou seja, a intenção do autor quando a fez.
Imagem 1