Sobre o Jazz (2009)
Neste pequeno texto, pretendo escrever um pouco sobre o Jazz,
com base nos dois autores que utilizei em meu seminário (Jazz e Samba): um é
François Billard, No mundo do Jazz – Das
origens à década de 50, o outro é Roberto Muggiati, O que é Jazz (Coleção
Primeiros Passos da Editora Brasiliense).
Os dois autores tratam da história social do Jazz, desde a
sua origem, no início do século XX, até a sua decadência nas décadas de 1960,
70 e 80, com o advento do Rock e outros estilos “pop”.
O estudo, nas duas obras, é feito a partir dos músicos, dos
jazzmen; é claro, não podemos estudar o Jazz sem os músicos que o
desenvolveram, o tornaram o que é.
Jazz é
música e música é uma arte, uma criação humana, logo, não pode ser estudada,
analisada fora de seu contexto histórico, ela é, como todas as ações humanas, fruto
de seu tempo; mesmo sendo, enquanto arte, algo atemporal, ou seja, que não está
fechado ao seu “próprio tempo” (tempo de origem?), mas atravessa, está presente
em todo o tempo histórico. Enquanto houver apreciadores do Jazz, ele estará
presente, vivo e etc.
Agora, vou falar um pouco sobre cada
um dos livros separadamente e, ao mesmo tempo, estabelecerei uma relação entre
os dois estudos, embora o enfoque, como descrito acima, seja o mesmo.
Começando pelo O que é Jazz, de Roberto Muggiati; o livro, ao contrário do outro,
como veremos, começa, após uma discussão etimológica em torno da palavra Jazz, com
a ida dos escravos africanos para os EUA, ainda colônia.
Assim o autor começa o segundo capítulo: “O Jazz nasceu de um ato de violência, com o
negro arrancado da África para trabalhar em outra terra, do outro lado do
oceano”; só neste pequeno trecho inicial podemos perceber com clareza qual é o
viés do autor: o Jazz como uma música, de origem negra, nascida na América do
Norte. Eu concordo, o Jazz é negro na
sua origem – veja as suas principais raízes/influências: o Blues, as Brass
Bands e o Ragtime -, mas não é um estilo essencialmente negro, não podemos
esquecer as contribuições de grandes músicos e cantores brancos, como, por
exemplo, Benny Goodman, Frank Sinatra, Glenn Miller, Gerry Mulligan, Chet
Baker, Tommy Dorsey, Harry James, Peggy Lee, entre diversos outros.
O livro está dividido nestes respectivos capítulos ou temas:
‘J***’ (uma discussão etimológica em torno da palavra Jazz), ‘vozes da África’,
‘Nova Orleans’, ‘Chicago anos
A partir do terceiro capítulo, ‘Nova
Orleans’, o autor começa a estudar o Jazz em si, ou seja, a partir dos artistas
que participaram e o instituíram, o autor analisa e apresenta a história social
do Jazz. E o mesmo ocorre com cada um dos capítulos/períodos acima citados e
estabelecidos.
Uma critica que faço ao autor é a de
que, no capítulo ‘A era do Swing’, ocorre um certo “desprezo”, por parte do mesmo,
frente aos jazzmen brancos, chamados por ele de “os universitários de óculos”;
sim, o ‘Swing’ era o Jazz massificado: as Big Bands dominavam os salões, os
cinemas, as rádios, entre outros meios de comunicação de massa do período; sim,
o título de ‘Rei do Swing’ concedido à Benny Goodman era discutível – não pelo
seu talento, e sim pelo fato de outros jazzmen, como, por exemplo, Louis
Armstrong (o primeiro grande nome do Jazz, o primeiro solista do gênero), Duke
Ellington, Count Basie, Oscar Peterson e etc., serem tão bons quanto ele (como
o fato de Elvis ser o Rei do Rock e não Chucky Berry ou outro...); sim, a forte
disciplina das Big Bands impedia a livre improvisação dos músicos -- até os
improvisos nesta vertente eram breves e previamente escritos e ensaiados, ou
seja, não havia muito espaço para a busca, por parte dos músicos, de sua
essência musical: o improviso. O que, em parte, provocou a procura dos músicos
por “pontos de fuga”. Ao saírem das apresentações iam para os bares e promoviam
as chamadas Jams Sessions: reuniões para o improviso, verdadeiras “batalhas”
promovidas entre os músicos, onde podiam mostrar todo o seu talento, muitas
vezes ofuscado pela “normalização” das grandes orquestras, ou Big Bands.
Contudo, não podemos, de modo algum, negar o grande
desenvolvimento musical do Jazz neste período (nas harmonias e composições e
etc.), nem o prestígio que o Jazz passou a adquirir, enquanto fenômeno de massa
– como o samba no governo Vargas, no chamado Estado Novo. Foi neste período que
os grandes compositores populares norte-americanos, tais como: Cole Porter, os
irmãos George e Ira Gershwin, Hodgers & Hart, Irving Berlin, entre outros,
se integraram ao repertório do Jazz.
Já François Billardi, em seu livro No mundo do Jazz – Das origens à década de 50, faz um caminho
diferente: começa seu livro discorrendo sobre o método e as dificuldades de se
analisar o referido gênero musical. Para uma boa pesquisa sobre o Jazz, segundo
o autor, devem ser visitados os locais onde os jazzmen freqüentavam, deve-se
ter cuidado ao analisar as autobiografias dos artistas e podem ser utilizados
como fonte os periódicos do período (jornais, revistas e etc.). Sabe-se que o
Jazz, como o Samba no Brasil, tem sua data de nascimento em 1917, ano do seu
primeiro registro fonográfico.
Outro ponto fundamental que merece ser comentado aqui, é o
fato de Billardi considerar o Jazz como uma música de raça indeterminada.
Depois, o autor começa a narrar o nascimento do Jazz, em seu aspecto social, como o faz Muggiati.
Enfim, a diferença fundamental entre a obra de Roberto
Muggiati e a de François Billardi consiste no fato de o primeiro se deter
apenas em uma apresentação geral dos fatos referentes ao surgimento e
desenvolvimento do Jazz (o que se espera de um livro da coleção Primeiros
Passos da Editora Brasiliense), enquanto o segundo, além de apresentar a história
factual, se preocupa também com ofício do historiador, ou seja, de como
pesquisar sobre o Jazz, como entendê-lo, desvendá-lo...
Para terminar, devemos entender que a música é algo que transcende as questões étnico-raciais, embora cada grupo tenha as suas especificidades. Em sua origem, o Jazz é negro, no seu desenvolvimento é tão branco quanto negro. Jazz é música e música não depende de etnias, e sim de talento e dedicação.